A Tesoura de Agosto





Bianca era uma menina que se embaraçava numa larga fita rosa. A fita a acompanhava desde muito pequenininha como um presente posto sob a árvore de natal em janeiro à espera de dezembro chegar. E dezembro chegou em agosto, vindo como a tesoura que inaugura um novo mistério. A vida inteira Bianca acreditou que nesse dia haveria banda de música e que todo mundo que a reconhecia importante estaria presente, por isso ensaiou olhares e acenos durante muito tempo. Mas nada disso veio à baila. A Tesoura de Agosto a encontrou sozinha no banheiro da escola e a cortou sem pompa. O sino tocou no pátio, e já na sala de aula a professora de História falava de um Napoleão que jamais figuraria numa história como a dela. Mas até Napoleão concordava que um momento histórico exige uma frase de efeito, um suicídio, uma espada, uma dose de veneno, qualquer coisa que exploda. Então Bianca desmaiou porque julgava um desmaio um evento muito romântico. A mãe de Bianca tirou o seu nome de uma novela de rádio, e como toda mocinha de novela, ela também tinha um amor. O amor de Bianca era menino e tinha olhos azuis. Inventava muitas mentiras que ela não se importava de acreditar porque sempre preferiu os criativos.  Mas, para sua inteira frustração, o roteirista da história de Bianca não é muito dado a clichês. Assim que quando Bianca desmaiou, o menino de olhos azuis riu. E a apontou. E riu. Escondia a cara com as mãos, não porque queria esconder-se, mas porque queria mostrar ainda mais seu riso. Lógico que Bianca não viu isso tudo porque estava desmaiada. Viu só o finalzinho, o resto lhe contaram. Quando soube ficou emburrada, quis trocar de roteirista, quis trocar de amor. Quis trocar de papel com alguma daquelas meninas cujas novelas são sempre como devem ser as novelas. Mas desistiu quando o roteirista pôs fim no capítulo com uma frase bonita. Ela ficou satisfeita, e sorriu porque pensou que a novela dela é daquelas que valem a pena a gente ver. No fim, ele escreveu assim: A Tesoura de Agosto cortou-lhe a infância, mas agora Bianca guardava o segredo da primeira gota de sangue.

Um comentário:

Paulo Vitor Cruz, ele mesmo disse...

A tesoura de agosto, o tesouro da vida... Existem coisas da natureza que são belas. Mas a nossa natureza criadora pode ainda melhorar. Ponto pra humanidade. Ponto p vc.

bicadinha.