Enquanto isso, dentro de um livro*... #1.


Os aviões rasgavam o céu e as bombas caíam como fossem vísceras ardendo em ácido gástrico. A guerra vomitava.  Era 10 de junho. De que ano? 44, e eu fugia de Paris pelo cu, pois que a barriga bonita da França convulsionava. Cheguei à cidade de Pau que não sei onde fica e ia todos os dias pela madrugada à estação de correios. Cada carta que chegava, por mais íntima que fosse, trazia notícias para as centenas de centenas de pessoas que cumpriam o mesmo ritual que eu. ‘Meu amor, cheguei à África. A guerra logo acaba e voltarei para ti, ficaremos juntos para sempre.’ Os aliados respiravam mais aliviados porque o marido de alguém chegara à África e voltaria em breve e para sempre. Era uma dor a menos. Fechei o livro para gozar desse analgésico. Me arrependi logo em seguida. Não perguntei o nome à senhora que me leu a carta, visto que eu não conseguia. Ela se perdeu para sempre dentro daquela página atulhada de gente. Abro o livro novamente e volto a procurá-la, desesperada, olho rosto a rosto, sacudo as pessoas, puxo seus casacos, grito ‘Senhora! Senhora! Vamos à igreja, não, vamos àquela biblioteca que foi bombardeada, quem sabe não encontramos lá um outro livro, de que ano? Qualquer. Importa apenas que  guerra seja só uma parte de peixe que tenha  sido escrita com a grafia errada.

* Dentro do livro 'Memórias da Rosa'  de Consuelo de Saint-Exupéry.

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