Amigo querido, esta resposta
vai fora de estação porque aqui na ilha as cartas demoram a chegar. Dependem
sempre das andorinhas, uma vez que os pombos-correios não viajam até aqui. Enfim, quando você me perguntou, Portugal ia em fim de vindima. Nunca vindimei, mas conto em
faze-lo para o ano. Quero pisar a uva e beber o caldo dos meus pés junto com os
pés de toda aquela gente. Naquela altura, Portugal também ia azul. Estavam uns dias bonitos em que as pessoas assobiavam 'bons
dias!' como se vivêssemos todos num feliz pós-guerra. Nesses dias estranho a falta
das borboletas, consequência do horror que os portugueses têm às lagartas. Falando em portugueses, conto que aqui os cabelos são curtos, alguns com pontas
imensas pintadas de rosa shock, os homens já não usam suspensórios como
antigamente, nem boinas. Tampouco as mulheres usam bigodes. Tempos idos. Mas
ainda se vêem muitas padarias. Uma senhora, Dona Rosa, canta fado na rua
Augusta em Lisboa. Ela é cega e canta nos verões puxando o trem das cigarras. No
outono - está quase, apesar de já ser - assam-se castanhas na brasa, as mangas das blusas crescem e reproduzem-se,
para morrerem só no fim da primavera. As mangas são inversamente proporcionais
às flores, e esta é uma relação que aceito com gosto. Não me dói o sacrifício das
pétalas em razão dos cachecóis. No mais, estou bem. Ainda não adotei um
cachorro, faço das mini-piscinas de pedra na praia minhas centenas de
aquários cujo cuidado delego à boa vontade das marés. Dos pássaros, tenho
gaiolas de mentira, uma pena e uma fotografia. Acho que chega. Há também um tapete de lã
de carneiro onde gosto de dormir, e pra onde vou agora porque faz frio.
Um abraço,
Bianca.
Um comentário:
uma vez tive um sonho com um tapete. foi o sonho mais incrível da minha vida.
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