Correio #3.




Amigo querido, esta resposta vai fora de estação porque aqui na ilha as cartas demoram a chegar. Dependem sempre das andorinhas, uma vez que os pombos-correios não viajam até aqui. Enfim, quando você me perguntou, Portugal ia em fim de vindima. Nunca vindimei, mas conto em faze-lo para o ano. Quero pisar a uva e beber o caldo dos meus pés junto com os pés de toda aquela gente. Naquela altura, Portugal também ia azul. Estavam uns dias bonitos em que as pessoas assobiavam  'bons dias!' como se vivêssemos todos num feliz pós-guerra. Nesses dias estranho a falta das borboletas, consequência do horror que os portugueses têm às lagartas. Falando em portugueses, conto que aqui os cabelos são curtos, alguns com pontas imensas pintadas de rosa shock, os homens já não usam suspensórios como antigamente, nem boinas. Tampouco as mulheres usam bigodes. Tempos idos. Mas ainda se vêem muitas padarias. Uma senhora, Dona Rosa, canta fado na rua Augusta em Lisboa. Ela é cega e canta nos verões puxando o trem das cigarras. No outono - está quase, apesar de já ser - assam-se castanhas na brasa, as mangas das blusas crescem e reproduzem-se, para morrerem só no fim da primavera. As mangas são inversamente proporcionais às flores, e esta é uma relação que aceito com gosto. Não me dói o sacrifício das pétalas em razão dos cachecóis. No mais, estou bem. Ainda não adotei um cachorro, faço das mini-piscinas de pedra na praia minhas centenas de aquários cujo cuidado delego à boa vontade das marés. Dos pássaros, tenho gaiolas de mentira, uma pena e uma fotografia. Acho que chega. Há também um tapete de lã de carneiro onde gosto de dormir, e pra onde vou agora porque faz frio.

Um abraço,
Bianca.

Um comentário:

Paulo Vitor Cruz, ele mesmo disse...

uma vez tive um sonho com um tapete. foi o sonho mais incrível da minha vida.