Três histórias sobre Mim




Sobre Mim #1.

Lili estava compenetrada estudando. Batia com o lápis na testa, sublinhava, grifava. Tinha uma caneta de quatro cores que era a última moda. Mim gostava da caneta, de vez em quando Lili a emprestava e ela se punha a bater com a caneta na testa, sublinhar, grifar. Não usava a caneta para desenhar ou escrever longas teses em garatujas. Ela usava a caneta pra ficar seis anos mais velha.


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Sobre Mim #2.
Um dia Lili estava estudando como de costume, sentada sobre uma das pernas. Espalhados sobre a mesa, estavam livros e cadernos cheios de anotações em grego ou em chinês. Lili é uma pessoa que fala muitas línguas. Nos livros abertos viam-se muitas, muitas imagens de planetas e muitas letras grandes e pequenas, que para Mim, deviam ser gregas ou chinesas. Mim aproximou-se e ficou olhando. Achava incrível que alguém entendesse aquelas coisas todas sobre o sistema solar e canetês. Mim não entendia nada de canetês, só sabia falar língua falada. "As pessoas que sabem falar o idioma das canetas e dos livros", pensava ela, "são as pessoas mais especiais do mundo!".


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Sobre Mim #3.
Já grandinha, Mim foi estudar num colégio onde imperava a disciplina. Por exemplo, os alunos eram agrupados por ordem alfabética em cada uma das classes, e nas classes, eram agrupados em ordem alfabética em cada uma das filas. E seus lugares permaneciam os mesmos durante todo o ano. Isso foi chato durante muito tempo, até que um dia Mim chegou à sua carteira e lá estava escrito: “André”, sem aspas, claro. Foi um susto. Não havia nenhum André na turma, ou seja, mais alguém usava aquela mesa além dela! Passado o sobressalto inicial, Mim teve uma ideia e escreveu embaixo a lápis: “Oi, André! Ass: Mim.”. E no dia seguinte: “Oi, Mim. Você também estuda aqui? Ass: André.” A pergunta de André mereceia um ?! de tão espantada, mas ele ainda não tinha aprendido isso e achou que uma interrogação bastava. Ela sorriu. “Sim, no turno matutino. E você?”. Considerou que já não precisava assinar. Mas cuidou bem da pontuação pro caso da professora de português ir conferir. “No verpertino.”, no dia seguinte. André também não assinou, já eram íntimos. E assim foram se correspondendo. O tampo da mesa tinha agora outra função que não apenas de suporte para resolver problemas de matemática. Era onde se podia escrever. Mesmo. Como num caderno. Sem saber eles inventaram o e-mail.


Ilustração: Alice Prina.

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