Correios #7.


Nota da autora: A carta a seguir será melhor lida se o leitor a apreciar numa mesa degradante de bar de terceira a quinta categoria. Em alternativa, pode-se verter num copo  - com uma rachadura na borda - qualquer tipo de bebida alcoólica e aspirar qualquer tipo de fumaça, enquanto ouve La churrasca, interpretada pela cantora Chavela Vargas.


Nota da editora: Nossa editora não faz apologia a nenhum tipo de vício, e não se responsabiliza pelo proveito que o leitor faz das sugestões da autora. Sendo que segui-las está ao puro cuidado de quem opta por fazê-lo, entretanto, assumimos o presumido risco e comprovamos que é das melhores sugestões de leitura jamais feitas.




***
De: Mi, Torre Alta de São Pedro, do Outro Lado da Ilha de Cipango.
Para: Mio, que não sei onde esta carta encontrará.



Mi  Amor, 

Te escrevo porque o instante exige e não há telefone, nem e-mail, nem rádio ou jornal em que caiba a notícia de tanta saudade quanto numa carta. Esta é uma carta que não uso escrever por ser árida. Prove. Feche os olhos, sinta o toque do papel, está áspero, vê? É que saudade fresca encharca, mas saudade longa seca. Poeira das horas mortas que chupam-nos os borrões. E se nessas mesmas horas mortas você pensa e se pergunta se choro por ti, não pense mais, porque não choro. Chorei quando antevi a saudade imensa me observando na cama, sentada sobre o teu peito. Chorei quando o espaço rasgou em duas metades o nosso abraço. E chorei nos dias a seguir, quando ainda era fresca a saliva da sua boca que brilhava em meus mamilos.  Entretanto à medida que ia caindo a tal poeira sobre nossos líquidos, iam-se-me gretando a pele e os olhos, e as lágrimas secas se quebravam como cristais malogrando o chão, até que pararam de cair. Não sofro menos. Couro exposto às intempéries não sua, no entanto racha. Dói na mesma. Dói não aspirar seu cheiro pela boca, nem fincar meus dentes em tua carne para calar meu prazer. Mas sabe o que é pior? Não encontrar teu rosto. Quer dizer, vejo um sorriso, um olhar, uma expressão, porque são como fotografias. Mas não vejo movimentos, vejo seus pés dentro dos sapatos, todavia não me recordo dos seus passos. Me lembro de muito do que me disse, contudo sua voz me escapa. Eu tento e ainda assim tudo se desfoca, e essa, mi amor, é a saudade mais dura: quando quem amamos não mais pertence ao que nos é nítido porque a sombra conquistou nosso último bastião: a memória. E se me cabe um pedido, por favor, se apresse a voltar para o meu sono. Pois que se vivo só não sonho.


                                                                                                                                       La tuya.

2 comentários:

Paulo Vitor Cruz, ele mesmo disse...

tem coisas q ardem pr'além do corpo, viu?

Giorlando Lima disse...

Meu coração chacaolha com o reencontro, minhas mãos tremem no escrever saudade. Você jamais saberá o quanto. Nem quererá nunca mais o mesmo tanto. Mas digo que o que já foi ainda é. Uma ilusão concreta, que me molha os olhos, sua as minhas mãos e aperta a minh'alma como se fora nos dias em que eu andava sozinho num ônibus da Conquistense, em noite fria, vazia e entristecedora, como só eu sabia que era. Entretanto, pelo menos a melancolia que me assomava enquanto a janela do ônibus fotografava os postes de luz cessaria quando chegasse ao terminal, já esse aperto a que ainda chamamos de saudade me doi como se eternamente. Não há um terminal onde você me espere. Talvez me caiba agora perguntar, há mesmo você em qualquer lugar que seja?