Correios #8.



Do outro Lado da Ilha de Cipango
Maio, 2013.


Olá, meu bem. Como está?
Respire tranquilo porque escrevo sem nenhum gato por perto. Sua asma está segura comigo. Não sei o que dizer desta vez. Os grandes amigos estão de tal maneira habituados ao silêncio que é difícil às vezes meter conversa. Falo de novo da minha vontade de voltar a Paris? Você deve estar farto, mas amigos são pra essas coisas, leve com isso e me escute porque preciso extravasar. Quero voltar a Paris. À Paris de Cortázar e de Josephine Baker e de Victor Hugo e Flamel e de Anaïs Nin e de Bukowski. Sabe se Bukowski viveu lá alguma vez? Não faço ideia. Mas me percebe? As grandes pessoas hoje me parecem tão isoladas. Antes viviam todas em Paris, eram todas contemporâneas. Estou até vendo sua cara de parvo me chamando estúpida. Ri muito ao imaginar isso agora. Espera, vou buscar algum álcool doce que me suavize a letra. E meu cachimbo. Como não são horas? Ah, homem, você é tão previsível! Voltei. Não se preocupe porque fumei na outra sala, quantas vezes terei que dizer que sua asma está segura comigo? Ouve, hoje estou com sede de gente que faz qualquer coisa que se ultrapassa. Sei lá, gente que ame mais do que pode, por exemplo. Queria beijar um Vinicius ou um Neruda. Desses homens que têm colhões para amar. Porque não basta ter coração mole, verdade? Amar exige essa sensibilidade testicular para a dor e para o orgasmo. Sei que tenho uns quantos escondidos entre os lábios. Não ria que estou falando sério. Diga da sua justiça, que mulher conhece que não tem colhões? Não falo das castradas, me refiro às inteiras. Acha mesmo que são assim poucas? Também não são muitos os homens que os têm, admita. Deixa lá essa conversa que hoje preciso matar minha sede. Preciso beber um amor sanguíneo, um amor ordenhado da veia. Que contamine de vermelho o branco do olho. O branco deste papel, o branco da minha vida. Toda essa minha incompletude. Tudo o que não é tinta no meu corpo. Há tanto branco na minha pele pra tão pouca tatuagem. Já vou, já vou, meu bem. Tenho que ir. Que aflição! Vou pintar minha boca pra calar a sede do que grito. E toma lá meu beijo, enquanto ele estala.  Ssssplack!


Um comentário:

Dude Santos disse...

Muito bonito. Os asmáticos, mesmo aqueles não mencionados, agradecem. Ah, e alguns vivem entre gatos... muitos deles. Enfim...