Gaivotas nuns olhos de São Pedro








Foi na Rua de São Pedro, qualquer coisa entre o fim da manhã e o início da tarde, perto das vassouras de palha do Lusitânia, preguiçosas, de palha para o ar, perto das bananas, das batatas e das castanhas a três euros o quilo. Uma porta grande, tão grande que nunca tinha reparado nela. Uma senhora baixinha, cabelo branco, o vestido florido numa contradição marrom, as pernas inchadas mais brancas que o cabelo, os pés nuns chinelos confortáveis que lhe escondiam os dedos, bateu na porta. Abriu um menino. Nos olhos azulinhos eu lia a presença encharcada de um amor de avó. E de gaivotas. E daqueles pássaros cinzentos que chegam aqui no verão e se despedem no Outono, deixando no cais um rastro branco como lenços esquecidos depois dos acenos de adeus. O cabelo do menino desenhava um sorriso de bigode em sua testa, tornando doces suas olheiras. Olheirinhas já de si muito doces. Ele apoiou-se na porta, tão pequeno, nem sei como a abriu. Deve ser daqueles meninos que enganam. Alma forte em corpo franzino, corpo afogado num amor de peitos secos. É capaz de ser doente. Talvez asmático. Mas ignorava os conselhos da avó, pois estava descalço e usava bermudas. Acho que, lá em cima, encostou a porta da sala para que ela não o visse descer as escadas do vestíbulo aos pares, ou escorregando pelo corrimão, ou voando. Não há de querer decepcionar a avó, que só é capaz de amar tanto assim um neto doente. À entrada, a mulher dos chinelos confortáveis murmurou qualquer coisa. Decerto disse: "Vê, São Pedro, se meu nome consta na lista de entrar no céu". Um meneio de cabeça e ela sumiu porta adentro. Penso tê-la visto sorrir: "fiz por merecer!". Do lado de fora, uma gaivota que fugiu dos olhos do menino sacudiu-se no ar como um lenço em aceno de adeus .

3 comentários:

Unknown disse...

Assim eu num guento Maria.
Quer me matar é???

Lindo...lindo....

;)

Nilton Carlos disse...

Parabéns pelos textos. Dá vontade de viver o que você descreve, conhecer seus personagens, experienciar suas emoções. Seu blog é um presente para seus leitores. Um forte abraço, Nilton Lavigne.

Lili disse...

Acho que Nilton Lavigne definiu exatamente a nossa sensação ao ler seus textos... dá vontade de mergulhar neles pra sentir profundamente cada palavra!!!!