Correio #1.









De: Bianca Mendes, Terra.      
Para:  Minha vó, Céu.







Ô, vó, esses dias tenho sentido aquela coisa boa, lembra? Que você dizia que era abraço de anjo por eu ter feito uma boa ação. Não tenho feito boas ações, por isso não sei se é bem a mesma coisa, mas me lembra o natal e me lembra quando a gente lavava a casa toda pra esperar os tios que vinham de fora e me vem um cheiro de bolo de milho e suco de capim. Quem hoje acredita que a gente fez suco de capim, né? Nesse dia eu aprendi que o mundo é meu quintal, e que eu posso experimentar. E em outros dias aprendi a ser horizonte, me espalhando toda até onde desse a vista. Só que muitas vezes tenho medo e encolho e faço tudo ao contrário do que você me ensinou. Mas, ó, agora estou fazendo bolo de milho. E pra essa tarefa eu segui a receita. É que eu tenho sentido saudade, vó. Da rua que era nossa e a gente fechava pra fazer festa de São João e onde a gente plantava flores porque o canteiro em frente era uma extensão da nossa casa. Nossa quota-parte de reforma agrária. E tio Nelson? Tem o visto por aí? Se o vir, diga que Lobinho cresceu e tem dois filhos. Eu não tenho nenhum, mas aprendi a fazer bonecas. Duda passou no vestibular pra psicologia, só que não vai cursar porque pra ele o passar já valeu o diploma. Rosa ainda está por aqui, entretanto Dona João também se foi. O bolo está pronto. Ê, que saudade é um bicho troncho, mas fica uma delicia quando assada no forno com açúcar e canela por cima. Vou pôr a mesa e comer sozinha porque tem coisas, vó, uns egoísmos, que não dá pra partilhar com mais ninguém.

Um beijo.

2 comentários:

Paulo Vitor Cruz, ele mesmo disse...

tem coisas que não dá partilhar, mas tem coisas que tem. a sua literatura é uma delas.

*que o seu dia hoje seja especial...

besos.

Capa Rota disse...

A minha avó Céu faz doce de tomate enquanto lhe conto as novidades. Responde-me em sabor, abraça-me em cheiro e, nesses momentos, a saudade encolhe um bocadinho.
Obrigada pela partilha!